Argentina

Lei 341 e Programa de Autogestión de Vivienda

Em seu programa de autogestão habitacional, a cidade de Buenos Aires financia e capacita associações e cooperativas para produzir moradia. O programa simboliza uma nova era de políticas para a habitação social, com potencial de transformar a abordagem do país quanto ao seu déficit habitacional. As limitações para a ampliação incluem dificuldades em garantir a terra e falta de experiência do governo executando programas de habitação autogeridas.

Antecedentes e Princípios Fundamentais

Como o Brasil, a Argentina tem uma forte história e rede de atores da sociedade civil e movimentos sociais. Movimentos sociais como Movimiento de Ocupantes e Inquilinos-Central de Trabajadores de la Argentina (Movimento de Ocupantes e Inquilinos, atualmente integrada formalmente ao Sindicato Central de Trabalhadores da Argentine, ou MOI-CTA), um sindicato de trabalhadores não tradicionais incluindo os desempregados, o setor informal, trabalhadores do sexo, associações de bairros, assentamentos informais, grupos de piqueteros, e outros, têm defendido os pobres das regiões urbanas e o direito a habitação especialmente nos centros urbanos desde os anos 80. A “missão de cooperação, autogestão, propriedade coletiva, ajuda mútua, e uso de assistência local incluindo empréstimos a famílias individuais” da MOI se traduziu em portarias negociadas na política habitacional nos anos 90 com a Ciudad Autónoma de Buenos Aires (Cidade Autônoma de Buenos Aires, ou CABA). O declínio econômico dos anos 90 e a posterior depressão de 1998-2001 exacerbou o déficit habitacional, aumentou a informalidade habitacional, e enfraqueceu a classe média do país, outrora estável e robusta.

Em dezembro de 2000, os atos de protesto, resistência e militância dos movimentos sociais deram frutos na CABA com a aprovação da Lei 341, um reconhecimento legal sem precedentes de direitos de moradia. A lei facilitava acesso ao capital para organizações coletivas e associações envolvendo populações de baixa renda para a criação de moradias autogeridas e emergenciais e criou o Programa de Autogestión de Vivienda (Programa de Autogestão de Moradia ou PAV) no Instituto de Vivienda de la Ciudad (Instituto de Moradia da Cidade, ou IVC; conhecido anteriormente como Comisión Municipal de la Vivienda), levando a uma nova era de programas de habitação social na CABA. 

No censo de 2010, a Argentina sofre de um déficit habitacional de 2,5 milhões de casas, incluindo unidades que precisam ser construídas ou renovadas. A Lei 341 e o PAV demonstram um caminho em potencial para que o país melhore suas condições de moradia e seu déficit habitacional.

Fonte: Monteagudo Complejo, iniciado e concluído por Movimiento Territorial de Liberación. 

Implementação e Impacto

De acordo com o Escritório do Ombudsman da CABA, em 2014, 22 projetos foram concluídos, alojando 699 famílias com sucesso. Ademais, 40 projetos adicionais foram iniciados e espera-se que eles abriguem outras 793 famílias. O Escritório do Ombudsman observa que o início do projeto e a aprovação teve uma suspensão em 2008 por mudanças na liderança do IVC visto que a administração mudou, embora vários projetos iniciados tenham sido concluídos a partir de 2009.

Monteagudo Complejo

O Monteagudo Complejo (Projeto Habitacional Monteagudo) destaca como a implementação e o financiamento ocorrem.

O Movimiento Territorial de Liberación (Movimiento Territorial de Liberação, ou MTL), um grupo de piqueteros formado por trabalhadores desempregados e ativistas, que também é parte da CTA, formou a cooperativa habitacional Emetele de famílias anteriormente sem teto e iniciou o projeto Monteagudo Complejo. Monteagudo representa um dos maiores projetos financiados através do PAV e da Lei 341 até agora. O projeto de moradia é construído em 4.000 metros quadrados de terreno e inclui unidades varejistas, áreas comunais, instalações de cuidados infantis e uma estação de rádio comunitária, além de unidades habitacionais de um, dois e três quartos. A construção foi concluída em menos de 30 meses, refletindo as decisões dos moradores sobre design e necessidades. A parte de construção da cooperativa construiu as 326 unidades habitacionais, mas os membros da cooperativa que participaram da construção não foram necessariamente os destinatários das unidades habitacionais. A cooperativa alocou unidades habitacionais aos membros que melhor atenderam aos critérios, incluindo, entre outros, ativismo político, nível de necessidade, e possibilidade de pagamento. O projeto alavancou empresas de assessoria técnica para apoiar as tomadas de decisões jurídicas, sociais, arquitetônicas e financeiras da cooperativa e os processos de autogestão. Por fim, a cooperativa estabeleceu um centro de treinamento técnico e se formalizou como uma empresa de construção, criando empregos permanentes para mais de 400 membros da cooperativa previamente desempregados.

Fonte: Membros-trabalhadores do Movimiento Territorial de Liberación construindo suas futuras casas.

Financiamento do Projeto

Os projetos habitacionais são financiados 80-100% pela CABA. Entre 2000 e 2010, a alocação de orçamento do PAV variava entre 1,8 milhões de pesos em 2002 a 76 milhões de pesos em 2009; contudo, o PAV raramente usou seu orçamento inteiro nos anos com maiores alocações. Entre 2004 e 2013, o orçamento do PAV usado variou entre 2% (12,8 milhões de pesos) do orçamento total do IVC usado em 2013 a 17% (40 milhões de pesos) do total do orçamento do IVC usado em 2010. 

O projeto de Monteagudo recebeu 16 milhões de pesos (ou cerca de $5,3 milhões de USD) para construção de moradias e despesas associadas, e financiamento adicional foi obtido para instalações comunais. Os moradores de Monteagudo pagam o empréstimo sem juros ao longo de 30 anos, e então receberão titularidade sobre a propriedade e a habitarão em condomínio, em que cada família possui sua própria unidade.

Autogestão e Estrutura de Governança

Embora a lei e o programa incentivem e elevem a habitação autogerida e as cooperativas, uma estrutura de autogestão ou governança não é explicitamente estabelecida na lei. Além disso, movimentos sociais tendem a se organizar em torno de princípios de ajuda mútua, propriedade coletiva e habitação como um meio para uma democracia mais igualitária, enquanto cooperativas habitacionais ad-hoc especificamente para qualificação para o programa tendem a ver o processo de cooperativa como um meio para a própria habitação. Assim, estruturas de governança podem variar dependendo do movimento social e da própria cooperativa habitacional. 

No Monteagudo Complejo, a cooperativa optou por se autogerir, mas não autoconstruiu ou alavancou a participação de trabalho dos futuros moradores para construir o projeto. Seu movimento social associado, MTL, é organizado através de zonas geográficas. Dentro de cada zona, os membros participam de comissões que variam de saúde, habitação, juventude, educação, bem como comitês executivos, todas as quais garantem que o movimento social funcione, se organize, e prossiga de modo regular.

Capacitação da Estrutura Jurídica e de Propriedade

A reforma constitucional argentina de 1994 declarou Buenos Aires uma cidade autônoma. Como cidade autônoma, a CABA tem os seus próprios poderes executivo, judiciário e legislativo, permitindo assim que a CABA crie, aprove e faça valer suas próprias leis. A CABA aprovou várias leis-chave sobre direitos de moradia, política habitacional, e uso de terrenos nos anos 2000, incluindo a Lei 341, a Lei 964 (alterando a Lei 341), e a Lei 1251. 

A Lei 341 estabelece a legitimidade de cooperativas como destinatárias de fundos do estado e de terrenos do estado para redesenvolvimento e construção de habitações, e a autogestão como um modo de prestação de habitações. Ademais, a Lei 341 visa especificamente famílias de baixa renda, o que foi incomum no histórico da política habitacional da Argentina. Então, a Lei 341 abriu a oportunidade para participação na tomada de decisões na alocação do orçamento do PAV. A lei define claramente os passos que as entidades participantes precisam seguir para se qualificar para o PAV. Além disso, reconhece empresas de consultoria técnica como partes essenciais da autogestão, exigindo o uso desses órgãos técnicos para elegibilidade à aprovação do projeto. A Lei 964 foi aprovada em 2002, alterando a lei 341: a alteração aperfeiçoou partes problemáticas da lei, bem como revogou alguns aspectos da lei 341. Enquanto aumenta o limite máximo de financiamento governamental por unidade familiar de 30.000 para 42.000 pesos, a lei, de modo geral, devolve o poder para o ICV que havia sido (brevemente) compartilhado com organizações sociais. Por exemplo, a capacidade de organizações sociais de participar na comissão do PAV é restrita a funções estritamente de observação, enquanto antes isso era vago. Ademais, a alteração reserva o direito da ICV de aprovar empresas de consultoria técnica usadas por projetos habitacionais. Outras diretivas de nível administrativo também reconcentram o poder com o ICV. 

A Lei 1251, aprovada em 2003, estabelece um sistema para direitos em cooperativas e tenta criar o banco de terras da CABA, com um foco especial na identificação de terrenos adequados para transferência para o IVC para uso em projetos habitacionais. Contudo, em 2014, tal instituição ainda não havia sido estabelecida de modo satisfatório. Em alinhamento com as leis acima, a Lei 1251 teoricamente torna os terrenos em áreas urbanas centrais ainda mais acessível a cooperativas e projetos de habitação autogerida. O Escritório do Ombudsman da CABA identifica os desafios de estabelecer o banco de terras devido aos altos valores de terrenos e à falta de procedimentos. A falta de um banco de terras impede ou adia o início e a impulsão de um possível projeto habitacional.

Footnotes

[1]. World Bank’s Argentina Country Management Unit, “Review of Argentina’s Housing Sector: Options for Affordable Housing Policy (Policy Research Working Paper),” November 2006, 11.
[2]. “Argentina,” Habitat for Humanity, accessed March 29, 2020, https://www.habitat.org/where-we-build/argentina.
[3]. Alejandro Amor, Defensoría del Pueblo de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires, “El Programa de Autogestión para la Vivienda” (November 2014), 18.
[4]. Amor, 16.
[5]. Amor, 19.
[6]. Isabella Alcañiz and Melissa Scheier, “New Social Movements with Old Party Politics: The MTL Piqueteros and the Communist Party in Argentina,” Latin American Perspectives 34, no. 2 (2007): 157.
[7]. “Monteagudo Housing Project,” World Habitat Awards, accessed March 23, 2020, https://www.world-habitat.org/world-habitat-awards/winners-and-finalists/monteagudo-housing-project/.
[8]. “Monteagudo Housing Project.”
[9]. Mariano Scheinsohn and Cecilia Cabrera, “Social movements and the Production of Housing in Buenos Aires; When Policies are Effective,” Environment & Urbanization 21, no. 1 (2009): 117-118.
[10]. “Monteagudo Housing Project.”
[11]. Ley 341, La Legislatura de la Autónoma de Buenos Aires (2000).
[12]. “Monteagudo Housing Project.”
[13]. Valeria Procupez and María Carla Rodríguez, “Alternative Models of Housing Development Programs in Buenos Aires, Argentina” (Report for 21st Century Cities Initiative Applied Research Seed Grant Program, Johns Hopkins University, 2019), 6-7.
[14]. Allison Anne Lasser, “Housing Policy and Participation: Law 341 in the City of Buenos Aires, 2000-2007” (master’s thesis, Georgetown University, 2008), 128-129.
[15]. Ley 345.
[16]. María Cecilia Zapata, “El Programa de AutogestIón para la Vivienda: el Ciclo de Vida de una PolítIca Habitacional Habilitante a la Participación Social y del Derecho al Hábitat y a la Cuidad,” Documentos de Jóvenes Investigadores 36 (2013): 47.
[17]. Amor, 22-23.
[18]. Amor, 23.