El Salvador
FUNDASAL E FESCOVAM
Muitos projetos bem-sucedidos de habitação por autogestão e ajuda mútua foram executados em El Salvador, inspirados especialmente no modelo FUCVAM do Uruguai. Com o objetivo original de ajudar a revitalizar centros históricos, cooperativas como a ACOVICHSS e a ACOVIVAMSE comprovam que esse modelo alternativo pode melhorar a vida dos moradores ao preencher a lacuna deixada pelo mercado e também melhorar os bairros onde é executado.
Antecedentes e Princípios Fundamentais
Assim como muitos países vizinhos, El Salvador vive um déficit habitacional que afeta desproporcionalmente as comunidades de baixa renda.1 O déficit atualmente está chegando a um milhão de unidades, e não há sinal algum de que essa tendência será revertida em breve.2
Complicações relacionadas à legalização de terras limitam o acesso a habitações adequadas para grande parte da população, enquanto a segregação e a violência continuam a impulsionar a instabilidade para muitas famílias. Em San Salvador, a capital do país, muitos domicílios enfrentam a pobreza e exclusão social. Antes de 2001, 29% da população da cidade morava em assentamentos informais onde as pessoas viviam sem segurança da posse, por causa do risco de despejo, e também em condições escassas e insalubres por causa da falta de serviços básicos, superpopulação, além de sistemas precários de saneamento e descarte de lixo.3
Para promover a produção de habitações democráticas e enfrentar uma falha do mercado habitacional com fins lucrativos, cooperativas em todo o país de El Salvador se basearam no modelo FUCVAM, que foi pioneiro no Uruguai. A Fundacion Salvadoreña de Desarrollo y Vivienda Minima (FUNDASAL ou Fundação Salvadorenha para o Desenvolvimento e Moradia Acessível) está à frente desses esforços. A FUNDASAL é uma organização privada de auxílio sem fins lucrativos, dedicada ao desenvolvimento sustentável e igualitário, apoiando esforços locais na produção de habitações autogeridas.4 Ao adotar o modelo FUCVAM do Uruguai, as cooperativas se envolvem em práticas de ajuda mútua e governança democrática; usam o Sweat Equity para economizar em custos de mão-de-obra, promover preços acessíveis a longo prazo e incentivar residentes a se envolverem mais profundamente no planejamento, na manutenção e na divulgação desses projetos. Essas práticas destacam o sucesso e potencial da luta por habitações democráticas e autogeridas em El Salvador e em outros locais.

Implementação e Impacto
Os objetivos desses projetos habitacionais, que fornecem uma alternativa bem-vinda para soluções impulsionadas pelo mercado, são muito claros: proteger as famílias, fornecendo oportunidades em centros históricos da cidade; resistir à ameaça de despejo de populações vulneráveis; revitalizar os centros históricos da cidade por meio de atividades artísticas, educacionais e culturais, melhorando a comunidade em geral; e mitigar a expansão de assentamentos informais, que tendem a se concentrar na periferia urbana.5
A FUNDASAL modelou sua abordagem para produzir habitações de ajuda mútua de acordo com a abordagem da FUCVAM e em parceria com a Federación Salvadoreña de Cooperativas de Vivienda por Ayuda Mutua (Federação Salvadorenha de Cooperativas Habitacionais por Ajuda Mútua ou FESCOVAM) e com a comunidade local para criar as primeiras cooperativas habitacionais de ajuda mútua.6
Duas das primeiras cooperativas habitacionais, a Asociación Cooperativa de Vivienda por Ayuda Mutua del Centro Histórico de San Salvador (ACOVICHSS) e a Asociación Cooperativa de Vivienda por Ayuda Mutua del Barrio San Esteban (ACOVIVAMSE), juntaram um terreno no centro histórico de San Salvador adquirindo lotes do governo a um baixo custo e comprando lotes de proprietários de propriedades privadas. Com designs inspirados em características históricas do bairro, a ACOVICHSS e a ACOVIVAMSE substituíram ou reformaram construções envelhecidas ou dilapidadas no centro histórico fazendo novas construções, com espaços públicos compartilhados e espaços comerciais. Ao manter a estética do centro histórico, as cooperativas construíram blocos coloridos, com vários andares e com pátios centrais para maximizar a luz e ventilação naturais e as oportunidades para uma maior coesão social. Além disso, as cooperativas iniciaram diversos programas sociais para beneficiar os moradores, incluindo hortas cooperativas no centro da cidade para fornecer alimentos locais, saudáveis e acessíveis, além do desenvolvimento de programas de trabalho para ajudar os moradores a encontrar empregos melhores. Além de proporcionar uma melhoria drástica de moradia para as famílias que agora vivem nesses projetos habitacionais, a prefeitura de San Salvador também melhorou o bairro construindo uma praça adjacente.7 A abordagem holística para melhorar a malha urbana desses projetos demonstra o potencial de habitações autogeridas para melhorar bairros existentes.
Até 2013, cinco cooperativas tinham se estabelecido no centro histórico de San Salvador. Entre a ACOVICHSS e a ACOVIVAMSE, 61 moradias foram construídas em três blocos no bairro, abrigando aproximadamente 240 pessoas. Mais de dois terços dessas moradias eram lideradas por mulheres, que com frequência vivem com rendas muito baixas e trabalhos informais. Até 2017, um total de 13 cooperativas habitacionais de ajuda mútua foram formadas para facilitar a produção de moradias no centro histórico de San Salvador e a FESCOVAM representava 21 cooperativas habitacionais em El Salvador.8
Financiamento do Projeto
Cooperativas autogeridas e de ajuda mútua em El Salvador enfrentam diversos desafios para financiar a construção de moradias. Porém, a FUNDASAL teve bastante sucesso em arrecadar fundos para fornecer para as cooperativas assistência técnica para o planejamento e a construção dos projetos.9 Por exemplo, ela desenvolveu um sistema de empréstimo rotativo em que os pagamentos de um projeto são usados para financiar o próximo projeto. A ACOVIVAMSE foi fundada por meio desse método com financiamentos adicionais de um banco de desenvolvimento do governo alemão. Organizações católicas e outras ONGs também apoiaram os projetos contribuindo com fundos para pesquisas. A We Effect, uma ONG internacional que fornece ajuda para nações em todo o mundo, doou fundos para estabelecer programas educacionais e assistência técnica para os membros da cooperativa na construção das suas novas casas.
Muitas cooperativas são frequentemente financiadas por meio de uma combinação desses auxílios, sendo que o suporte mais comum vem da FUNDASAL, de agências internacionais de desenvolvimento ou ajuda, do governo (tanto federal quanto das prefeituras) e de futuros moradores. Em 2017, como prova do sucesso das cooperativas habitacionais até então, o governo federal de El Salvador alocou US$ 10 milhões para a produção de habitações autogeridas para fornecer novas moradias para aproximadamente 1.300 pessoas.10 Apesar desse suporte ser em grande parte uma resposta aos esforços de sensibilização coletiva das cooperativas e das redes que as apoiam, ele sinaliza um passo importante para que cooperativas autogeridas sejam concebidas como uma fonte legítima e comprovada de moradia segura e sempre acessível.
Finalmente, e mais importante, esses projetos dependem do Sweat Equity dos seus futuros moradores: ao trabalhar voluntariamente 24 horas por semana, os moradores são estimulados a economizar 40% nos custos de construção.11 Isso contribui para a acessibilidade a longo prazo das unidades habitacionais, economizando em mão-de-obra e promovendo um investimento mais profundo por parte dos futuros moradores.
Autogestão e Estrutura de Governança
Assim como o modelo da FUCVAM, as cooperativas habitacionais que operam em conjunto com a FUNDASAL e com a FESCOVAM são de propriedade coletiva e governadas democraticamente. Os membros-residentes supervisionam todas as decisões, com comitês formados para fornecer orientações sobre o planejamento e a construção de suas moradias. A participação desses comitês incentiva a criação e conservação dos laços sociais entre os moradores.
A FUNDASAL fornece assistência técnica durante todos esses processos, enquanto a FESCOVAM continua a defender o direito de habitações por meio de autogestão, obtendo apoio público para ajuda mútua e para modelos alternativos de habitação em geral.
Capacitação da Estrutura Jurídica e de Propriedade
O sucesso das cooperativas de ajuda mútua e de habitações autogeridas, junto com a regeneração do centro histórico de San Salvador, sem dúvidas trouxe maior legitimidade para o movimento de modelos alternativos de habitação. A legitimidade é manifestada em documentos oficiais de política, incluindo o Plano Plurianual de Desenvolvimento (2014-2019) e as reformas dos Artigos 7 a 12 da Lei Geral das Associações Cooperativas, que estabelece os diferentes tipos de cooperativas (incluindo as habitacionais) e define princípios relevantes, como controle democrático e participação.12 Finalmente, aproveitando o impulso do sucesso das cooperativas autogeridas, o governo de El Salvador adotou uma Política Nacional proposta pela FUNDASAL para Habitações e Habitat em 2015, que estabelece uma estrutura para a produção de soluções habitacionais a longo prazo.13 Essa estrutura foi o resultado de deliberações de um processo participativo de diversos setores.
Notas de Rodapé [1] Graciela Fortin-Magaña, “Low-Income Housing in El Salvador,” Harvard Review of Latin America, https://revista.drclas.harvard.edu/book/low-income-housing-el-salvador.
[2] “Housing Poverty in El Salvador,” Habitat for Humanity Great Britain, accessed February 6, 2020: https://www.habitatforhumanity.org.uk/country/el-salvador/
[3] “The Regeneration of San Salvador’s Historical Centre,” Urban Sustainability Exchange, accessed February 11, 2020,
https://use.metropolis.org/case-studies/the-regeneration-of-san-salvadors-historical-centre#casestudydetail.
[4] FUNDASAL, accessed February 11,2020, https://fundasal.org.sv/vision-mission/
[5] “How the Community Rescued the Historic Centre of San Salvador,” World Habitat, accessed February 11, 2020, https://www.world-habitat.org/world-habitat-awards/winners-and-finalists/how-the-community-rescued-the-historic-centre-of-san-salvador/#award-content.
[6] Urban Sustainability Exchange, “The Regeneration of San Salvador’s Historical Center,” accessed February 6, 2020, https://use.metropolis.org/case-studies/the-regeneration-of-san-salvadors-historical-centre.
[7] Arquitectura Americana, accessed February 11, 2020, http://www.arquitecturapanamericana.com/rescate-de-la-funcion-habitacional-del-chsscontribuyendo-a-una-ciudad-equitativ/
[8] “How the Community Rescued the Historic Centre of San Salvador.”
[9] “How the Community Rescued the Historic Centre of San Salvador.”
[10] “How the Community Rescued the Historic Centre of San Salvador.”
[11] Jan Bredenoord, “Self-Managed Cooperative Housing by Mutual-Assistance as Introduced in Central America between 2004 and 2016; the Attractiveness of the ‘FUCVAM’ Model of Uruguay,” Journal of Architectural Engineering Technology 6, no. 188 (2017): 3.
[12] Position Description, accessed February 11, 2020, https://coops4dev.coop/sites/default/files/2020-01/Legal%20Framework%20Analysis%20-%20El%20Salvador.pdf
[13] World Urban Campaign, accessed February 11, 2020, https://www.worldurbancampaign.org/national-housing-and-habitat-policy-participatory-policy-formulation-improving-habitat-el-salvador-0.