Venezuela

GRAN MISIÓN VIVIENDA VENEZUELA (GMVV)

A Gran Misión Vivienda da Venezuela é um programa de habitação estatal que visa desencorajar a especulação da propriedade e aumentar a função social da terra. O programa produziu três milhões de casas para populações de baixa renda desde sua criação em 2011. A GMVV promove a participação dos residentes no planeamento, construção e tomada de decisão dos seus empreendimentos habitacionais.

Antecedentes e Princípios Fundamentais

Como muitos países na América Latina, a Venezuela enfrenta um grave déficit habitacional: em 2011, o déficit atingiu 2 milhões de unidades, com 3,1 milhões de pessoas vivendo em condições de moradia inadequadas.1, 2 A crise habitacional pode ser traçada até os anos 40 e 50, quando a economia petrolífera da Venezuela disparou e seu setor agrícola teve declínio, fazendo com que várias pessoas fossem para os centros urbanos do país em busca de trabalhos. A Venezuela priorizou por muitos anos a construção de habitação para as classes média e alta, forçando famílias de baixa renda a buscar abrigo em moradias informais em áreas não planejadas. Entre 1990 e 2001, aproximadamente 70% de casas foram construídas informalmente através de construção pelos próprios moradores na Venezuela.4 Muitas famílias são forçadas a construir em terreno ambientalmente vulnerável, exacerbando assim a crise habitacional em situações de condições climáticas extremas. Por exemplo, em 2010, chuvas torrenciais e deslizamentos subsequentes levaram à destruição de dezenas de milhares de casas.5

A Gran Misión Vivienda Venezuela (GMVV) foi estabelecida em 2011 para tratar da crise habitacional na Venezuela. O programa procura reconhecer a habitação como um direito social e garantir a participação popular no processo de fornecimento de moradias.6

O objetivo da GMVV é “ser a instituição dos programas sociais venezuelanos, que garante o protagonismo das comunidades, a fim de garantir a progressiva satisfação do direito de moradia adequada para famílias, através de um habitat decente, salutar e relevante, assim como a ocupação racional do território.”  7

Implementação e Impacto

A GMVV é notável devido à sua enorme escala. Sua meta é fornecer pelo menos cinco milhões de casas até 2025, e o programa chegou à metade de sua meta, com 2,5 milhões de casas, em janeiro de 2019.No momento em que este texto é escrito (abril de 2020), 3.098.482 de casas foram criadas sob a GMVV.8, 9

De acordo com o programa, o governo garante o direito à moradia através da aquisição de terrenos ou residências pelo banco nacional. A escala da produção de moradias sob a GMVV pode ser parcialmente atribuída à aquisição pelo governo de unidades habitacionais existentes que apenas podem ser renovadas ou adaptadas. A habitação pode ser construída por empreiteiras ou pelas próprias organizações comunitárias (as comunidades podem escolher se contratarão uma empreiteira ou construirão a habitação através de mobilização coletiva). Caso a comunidades escolha a construção participativa, o governo oferece assistência técnica, treinamento e os materiais necessários para construção.10 O Estado também fornece serviços sociais, tais como distribuição de alimentos, atenção infantil, educação e saúde, o que permite o melhoramento da qualidade de vida da comunidade.11

Financiamento do Projeto

O programa oferece subsídios para moradia a famílias em situação de risco que precisam de abrigo. Moradias gratuitas (100% de subsídios) são dadas a famílias com rendas abaixo do salário mínimo, e os juros são proporcionais à renda. Os preços das habitações sob o programa são limitados a 300.000 bolívares (ou aproximadamente 48.000 USD em dólares de 2016).12

O financiamento para esse programa vem do Estado (apropriado através da autoridade habitacional governamental, o Ministerio del Poder Popular para Hábitat y Vivienda) e de bancos públicos. O Decreto-Lei 39 799 de 2011 autorizou o uso do financiamento do setor bancário público para a produção de habitação sob a GMVV. Em caráter único, o financiamento da GMVV envolve considerável capital estrangeiro (de interesses chineses, russos, bielorrussos, portugueses, espanhóis e brasileiros) através de acordos bilaterais garantidos por petróleo (através da Petróleos de Venezuela, S.A.). O desenvolvimento dos próprios projetos pode ser realizado por entidades ou organizações sociais privadas. Os custos elevados associados à escada de habitação produzida sob a GMVV necessitam de capital estrangeiro, visto que o Estado não pôde financiar esses projetos de grande escala por conta própria.13 Deve-se observar que a dependência desse programa habitacional de investimentos estrangeiros em petróleo – o principal alicerce da economia Venezuelana – pode prejudicar a capacidade do Estado de fornecer habitação através da GMVV, especialmente em tempos de recessão econômica.

Autogestão e Estrutura de Governança

Sob a GMVV, os moradores podem se envolver na construção da própria moradia (se a comunidade optar por não escolher uma empreiteira para construção). O programa estabelece um “Comitê de Gestão Multifamiliar” que supervisiona os estágios de construção do projeto habitacional. O Comitê atua então como um órgão decisório para problemas comuns que surjam na comunidade.14 O Comitê é composto de pelo menos três membros principais em exercício e três membros alternativos, e todos devem ser futuros moradores do desenvolvimento habitacional comunitário em questão. Os membros do comitê são eleitos democraticamente na comunidade (cada família tem um voto) e atuam por um prazo de um ano. Depois de um ano, o membro do Comitê pode ser reeleito ou substituído por voto popular.15 

Capacitação da Estrutura Jurídica e de Propriedade

A Constituição venezuelana reconhece o direito de seus cidadãos a moradia adequada.16 Uma reforma constitucional em 1999 promoveu mais direitos sociais, estabelecendo que políticas sociais devem ser de natureza universal, reconhecendo os direitos dos cidadãos à participação democrática, promovendo, por fim, transformações nas estruturas políticas, econômicas e sociais da Venezuela.17 Para atingir essas metas sociais previstas na Constituição de 1999, o governo venezuelano estabeleceu “Missões” para atuarem como executoras de políticas sociais. Especificamente, a Missão Habitacional foi criada com o objetivo de construir casas e redistribuir terrenos para famílias de baixa renda.18

Em resposta às enchentes de 2010 que deixaram mais de 20.000 famílias desabrigadas em Caracas, o Parlamento venezuelano aprovou uma lei que conferia mais autonomia aos poderes legislativos presidenciais em situações emergenciais: A Lei de Emergência para Terrenos e Moradias (ou Ley Orgánica de Emergencia para Terrenos y Vivienda). Através dos poderes conferidos na Lei de Emergência, a Lei do Regime de Propriedade de Moradias da Grande Missão de Moradia da Venezuela (ou Ley del Régimen de Propiedad de las Viviendas de la Gran Misión Vivienda Venezuela) foi aprovada em 2011.19, 20

Em termos de propriedade, a Lei define um modelo que é bastante similar ao de um condomínio. As Famílias têm direitos privados a suas unidades individuais, enquanto espaços comuns do projeto são cuidados coletivamente. Especificamente, a lei determina:


  1. Uma família pode ter sua unidade conforme “La Propiedad Familiar”, definida como o direito à habitação que é usada, usufruída e disposta única e exclusivamente pela unidade familiar (Artigo 9º); e, 
  2. O uso e propriedade coletivos são estabelecidos como “La Propiedad Multifamiliar”, definida como o direito sobre o terreno, o imóvel, e as áreas de uso e usufruto comum de todos os membros das unidades familiares. Os direitos que compõem a Propriedade Multifamiliar são inerentes, inseparáveis e indivisíveis da propriedade familiar; portanto, estão incluídos em qualquer alienação ou transferência, total ou parcial, dos que compõem a propriedade familiar (Artigo 10).

Facetas centrais da GMVV e da estrutura da propriedade em que ela existe incluem o desestímulo ao lucro sobre o terreno e o imóvel e a garantia do uso produtivo das propriedades. Os lucros são limitados pelo Decreto 929 de 2014 (Lei sobre o Regulamento de Locações Imobiliárias para Uso Comercial), que estabelece limites de lucro sobre os espaços comerciais locados e determina a venda de propriedades residenciais alugadas por mais de 20 anos.21

Para promover o uso produtivo da terra sob a GMVV, o governo pode expropriar terrenos vistos como não utilizados (terrenos, públicos ou privados que são mantidos para valorização futura), subtilizados (terrenos nos quais é possível aumentar a eficiência do uso (construindo-se casas, por exemplo)), ou usados indevidamente (o uso do terreno não é compatível com o seu local (grandes armazéns ou estacionamentos no centro da cidade, por exemplo)) para a produção de moradias.22 A possibilidade de o governo expropriar terrenos e imóveis sob essas categorizações foi essencial para conseguir número de propriedades suficientes para a produção de moradias de escala tão ampla.23

Vale ressaltar que o Artigo 115 da Constituição venezuelana garante o direito à propriedade privada, e estabelece que “apenas por motivos de benefício público ou interesse social por sentença transitada em julgado, com o pagamento pontual de compensação justa, a expropriação de qualquer tipo de propriedade pode ser declarada.”24 Essa garantia constitucional não se coaduna totalmente com a prática de expropriação no âmbito da GMVV, visto haver casos de expropriação sem compensação. O Segundo Plano Socialista para o Desenvolvimento Econômico e Social da Nação 2013-2019 da Venezuela compreende novas formas de propriedade (propriedade pública, propriedade social (direta e indireta), propriedade comunal, propriedade cidadã, propriedade coletiva, e propriedade mista), que podem causar tensões entre o direito à propriedade privada e o avanço do país em direção ao socialismo e à propriedade coletiva.25 

Notas de Rodapé

[1]. Andrew Cawthorne e Eyanir Chinea, “Venezuela Housing Shortage a Headache for Chavez,” Reuters, June 2, 2011. [2]. Christopher Toothaker, “Chavez Struggles to Fix Venezuela’s Housing Crisis,” The San Diego Union-Tribune, December 27, 2011.
[3]. Toothaker, “Chavez Struggles to Fix Venezuela’s Housing Crisis.”
[4]. Beatriz Tamaso Mioto e Pietro Caldeirini Aruto, “Notes on the Contradictions of Housing Policy in Latin America Today: The Situation in Brazil and Venezuela,” R.B. Estudos Urbanos e Regionais 17, no. 2 (2015): 93.
[5]. Toothaker, “Chavez Struggles to Fix Venezuela’s Housing Crisis.”
[6]. Pedro A. Rosales, 2015, “Gran Misión Vivienda Venezuela como Respuesta a la Situación Habitacional en Venezuela”, documento apresentado no Simposio de Nuevas Tendencias del Urbanismo, Caracas, 11 de julho de 2013, DOI: 10.13140/RG.2.1.2716.9129
[7]. ““Constructores del Socialismo”, Ministerio del Poder Popular para Hábitat y Vivienda, Gobierno Bolivariano de Venezuela, acessado em 29 de março de 2020, https://www.minhvi.gob.ve/index.php/constructores-del-socialismo/.Constructores del Socialismo,” Ministerio del Poder Popular para Hábitat y Vivienda, Gobierno Bolivariano de Venezuela, accessed March 29, 2020.
[8]. TeleSUR English, “Venezuelan Housing Mission Passes ‘Milestone’ with 2.5M Homes,” Venezuelanalysis, January 2, 2019.
[9]. “Inicio,” Ministerio del Poder Popular para Hábitat y Vivienda, Gobierno Bolivariano de Venezuela, accessed March 29, 2020. 
[10]. Mattioda and Rosa de Souza, “Medidas para Alimentación y Vivienda en Perspectiva Comparada: Venezuela y Brasil,” 197.
[11]. Ley del Régimen de Propiedad de las Viviendas de la Gran Misión Vivienda Venezuela, Article 18 (2011).
[12]. Mattioda e Rosa de Souza, “Medidas para Alimentación y Vivienda en Perspectiva Comparada: Venezuela y Brasil,” 192-93.
[13]. Mioto e Aruto, “Notes on the Contradictions of Housing Policy in Latin America Today: The Situation in Brazil and Venezuela,” 94-5.
[14]. Ley del Régimen de Propiedad de las Viviendas de la Gran Misión Vivienda Venezuela, Article 14 (2011).
[15]. Ley del Régimen de Propiedad de las Viviendas de la Gran Misión Vivienda Venezuela, Article 15-16 (2011).
[16]. Constituição da República Bolivariana da Venezuela, Artigo 82 (1999).
[17]. Mattioda e Rosa de Souza, “Medidas para Alimentación y Vivienda en Perspectiva Comparada: Venezuela y Brasil,” 184.
[18]. Mattioda e Rosa de Souza, “Medidas para Alimentación y Vivienda en Perspectiva Comparada: Venezuela y Brasil,” 184-185.
[19]. Mioto e Aruto, “Notes on the Contradictions of Housing Policy in Latin America Today: The Situation in Brazil and Venezuela,” 93-4.
[20]. Mattioda e Rosa de Souza, “Medidas para Alimentación y Vivienda en Perspectiva Comparada: Venezuela y Brasil,” 192.
[21]. Mattioda e Rosa de Souza, “Medidas para Alimentación y Vivienda en Perspectiva Comparada: Venezuela y Brasil,” 194.
[22]. Mioto e Aruto, “Notes on the Contradictions of Housing Policy in Latin America Today: The Situation in Brazil and Venezuela,” 94.
[23]. Mattioda e Rosa de Souza, “Medidas para Alimentación y Vivienda en Perspectiva Comparada: Venezuela y Brasil,” 194.
[24]. Constituição da República Bolivariana da Venezuela, Artigo 115 (1999).
[25]. Mattioda e Rosa de Souza, “Medidas para Alimentación y Vivienda en Perspectiva Comparada: Venezuela y Brasil,” 194.